Esse texto não é meu, mas, eu achei muito contundente, politicamente correto e muito atual.
Sim, eu confesso que não torci pela seleção Canarinho. Nunca desejei, todavia, a sua derrota, mais ainda por um placar tão humilhante. Tenho alguns motivos para agir assim.
Poderia começar sob a perspectiva técnica do esporte futebol. Há que se reconhecer que nossos atletas atuais não pertencem às melhores safras. Esqueceram-se do básico: o futebol é um esporte coletivo; o campo não é templo para adoração. Esquema tático arcaico: dois pobres coitados no ataque; um dos quais marcando a própria sombra; e o outro se achando raio X, querendo passar por tudo e por todos. O restante dos mortais em campo deve defender a todo custo. Por que deixar alguém no meio de campo se um chutão basta? Pra que lateral? Capacidade de inovação um zero à esquerda, versatilidade menor ainda. O máximo foi colocar o velho Parreira como auxiliar técnico; seu nome bem diz de sua tendência à imobilidade vegetal. Putz, e aquele sósia do Sarney empedernido. Difícil.
E essa tal de FIFA? Qual a sua legitimidade? Nada investiu, mas cercou-se de exigências, aviltando mesmo as leis brasileiras. Haja a vista a autorização para consumo de bebidas nos estádios. Li ainda há pouco um artigo em que esse órgão teria de pagar o salário do Neymar, enquanto estiver contundido. E agora que o povo brasileiro está nocauteado, pergunto quem pagará por essas obras bancadas exclusivamente com recursos públicos. Mais um comensal para o banquete.
Vou me recusar de comentar sobre a CBF e de seus dirigentes, os Ricardos Teixeiras e afins. Fiquem com meu menosprezo.
Que tal falar de infraestrutura arquitetada para a competição. Aeroportos mal acabados; vias públicas feitas às pressas, estádios com cheiro de tinta e grama solta. Obras, muitas obras não concluídas; nenhuma das quais com gastos realizados inferiores aos valores previstos. A malversação dos recursos públicos de plantão em tempo integral. Por que acabar as obras e matar os homens de colarinho, os operadores da intermediação e os mendigos empreiteiros de inanição? Os bezerros tem que continuar matando a fome, pois a vaquinha ainda está gorda. Só que a vaquinha se chama Brasil.
Há uma tal de imprensa. Este autodenominado baluarte da cidadania presta duplo desserviço ao esporte e à prática política. Fica, de antemão, condenada pelo endeusamento de atletas, de impor artificialmente lideres e craques. Agora, depois de insuflar todos os balões da vaidade, ela própria vai derrubar um a um. Sim, alguns obstinados da mídia alertaram para o desempenho sofrível da seleção em campo. Quanto ao resto, seguiram o andor sem qualquer remorso. O outro demérito é mais perverso. Permitir que tanto descalabro venha acontecendo na surdina, sem qualquer denúncia, deveria ser considerado como crime hediondo. Aquela cena patética da grande rede televisiva nacional de pedir desculpas por sua passividade durante o regime militar vai-se repetindo agora. Será que daqui a vinte ou trinta anos estará pedindo desculpas aos brasileiros por sua mudez atual? Quanta cegueira provocou com a infinidade de matérias sobre a copa, ao passo em que dedicou um mínimo de matérias para as questões que afligem o brasileiro no seu dia-a-dia; questão política nem se fala! Afinal é ano eleitoral, passar um mês sem tratar dos propósitos dos próximos governos é dispensável. Tratar das medidas tomadas pelos governos federal e estaduais e pelo Congresso é coisa sem importância. Sei que ninguém comentou com veemência o pífio desempenho da economia no último trimestre e o processo de desindustrialização em curso. Ninguém prestou atenção a mais uma manobra contábil para adequar os parâmetros econômicos às metas oficiais. Enfim, já havia propaganda governamental suficiente para abarrotar os cofres da mídia. Por que denunciar?
O golpe de misericórdia foi o uso político da copa. Você dúvida? Explique apenas o porquê do 2014 subliminarmente pintado em vermelho na taça utilizada como logo da copa. Ou a bandeira do Brasil passou a ter essa cor vermelha? O fato é que o evento desde sua origem teve exploração política e fez parte de um projeto de permanecia no poder. O conluio entre os poderes executivo e legislativo de todos os níveis foi o que determinou a cidades-sedes. Ano de eleição, o apelo popular de uma copa. Não, tudo foi mera coincidência! Um dia saberemos algumas medidas que foram portas em prática nesse período encoberto pela copa e os escândalos escondidos debaixo do tapete. De qualquer forma, valer-se de uma competição e do fervor nacional para propósitos políticos é característica de regimes totalitários. Agir assim de forma escusa deveria pertencer à esfera criminal.
E os blackblocks, que decepção! Protestaram tanto pelos gastos com a copa, mas apenas depois do fato consumado. O que seria uma manifestação legítima ganhou ares de tudo. Ninguém mais sabia o motivo de estar se engajando. E, por fim, os arruaceiros e bandidos que, usando dos governadores demagogos e bonzinhos, passaram a ousar no saque e no quebra-quebra, como se , a priori, usar os órgãos policiais para combater a baderna fosse antidemocrático. Como é sabido, os descontentes estão por aí nos estádios torcendo. E serão felizes para sempre.
O trabalho é duro. Estruturar o futebol e preparar melhor os atletas para futuras competições até parece simples, embora não seja fácil. Exige que, necessariamente, se moralize a CBF. A farra das obras e do desvio de recursos depende de um Tribunal de Contas da União independente, como se fosse um quarto poder. Mas aí o caldo engrossa: a quem interessa matar a galinha dos ovos de ouro?
A imprensa tem que passar sim por um marco regulatório. Deve ser avaliada pelo seu fim social de informar, e não pelo fim comercial de vender notícia. A formação de jornalista deve ser valorizada e enriquecida ainda mais com conteúdo ético e político. Restringir, quem sabe, a propaganda governamental, o que impediria o uso indecente do “cala boca” financeiro em socorro à mídia.
O governo, qual quer que seja, deve se desapegar dos princípios de Maquiavel e de seu congênere travestido de vermelho, Gramsci, para conquista e manutenção do poder. Essa utopia poderia ser melhorada com as lições de Montesquieu sobre as funções dos poderes constituídos. O conteúdo programático das escolas da rede pública, particularmente de ensino médio, deveria contar com carga-horária destinada ao desenvolvimento político do cidadão. Aqui as lições contratualistas de Rousseau, Hobbes e Locke seriam mais do que bem vindas ao definir quais os deveres dos governantes e quais os direitos do governados. Essa balela de ensinar História da Filosofia é conversa de bêbado; tem sim que apresentar os fundamentos da filosofia política e da ética. Eu, particularmente, sou adepto do utilitarismo de Stuart Mill: o que não tem serventia para a maioria deve ser descartado. Se um governo não cumpre o seu fim constitucional, deve ser substituído.
Estamos sim, como torcedores, com o nosso orgulho ferido. Perder faz parte dos esportes. Temos que nos acostumar a essa verdade. Virão muitas vitórias e algumas derrotas. Mas nos lembraremos desta em especial, que sirva de experiência e oportunidade. Nós, contudo, como seres políticos estamos perdendo de uma estonteante goleada e, pior, não temos consciência de nossa alienação. Imobilismo, passividade, inércia e conformismo contam solenemente para esse fato.
Hoje (9 Julho), por uma feliz ou infeliz coincidência, comemora-se a Revolução Constitucionalista, um ato histórico contra a inexistência de uma Carta Magna e a perpetuação de um governo. Não sei até que ponto se algumas lições poderiam ser transportadas para os dias de hoje. Desacreditar instituições e continuísmo político-partidário são, pelo menos, pecados. Assistir impassível ao descalabro, por certo, deveria ser crime. De qualquer forma, a Revolução de 32 é um grande exemplo.
Por favor, não distorça minhas palavras. Não advogo que se derrubem governos. Digo apenas que não nos finjamos de cegos. Nada parou com a copa. Talvez possamos nos recuperar nos gramados daqui a quatro anos. Mas temos a chance de mudar ou manter o status quo daqui a alguns meses. Não sei anda em quem irei votar. Sei, porém, a quem não dar meu voto.
Termino com as palavras do hino gaúcho: “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”
A questão que permanece: somos realmente livres?
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